Tenho falado bastante sobre conselhos de administração aqui nesta coluna e percebo que a parte comportamental em conselhos ainda é um tema bastante sensível para os profissionais que atuam nessa frente.
No meu último artigo falei sobre as relações entre os CEOs e os presidentes de conselho, mas quero agora abordar os embates que acontecem dentro do próprio colegiado. Amenizar conflitos e relacionamentos tóxicos nesse ambiente é fundamental para que as decisões sejam mais produtivas e gerem melhores resultados para a organização.
Em primeiro lugar, vamos ao relacionamento mais clássico, entre o presidente do conselho e seus conselheiros. E começo aqui pela dificuldade que é coordenar sem dirigir. O presidente do CA, ou chairman, não é o “chefe”, e sim um “primo” entre pares. Ele tem algumas funções específicas, como estabelecer objetivos e programas do conselho e assegurar-se de que os conselheiros recebam informações completas e tempestivas para o exercício dos seus mandatos. Ele deve ainda ser o responsável por fazer uma costura prévia para assuntos delicados ou temas críticos e criar a condição de coesão no grupo, dando clareza e objetividade à agenda temática (ou recorrente) e à agenda ordinária e sua construção participativa. Mas é importante lembrar que a liderança do presidente do CA difere totalmente do papel de uma liderança executiva, e a falta de clareza com relação a esses papéis costuma trazer uma série de conflitos no fórum de governança.
Uma segunda relação crítica importante se dá entre os membros do conselho de uma forma geral. Volto aqui ao conceito do termo colegiado, que diz respeito à forma de gestão na qual a direção é compartilhada por um conjunto de pessoas com igual autoridade que, reunidas, decidem. No órgão colegiado inexiste a decisão de somente um membro, mas é frequente que algumas variáveis interfiram na fluidez das relações entre os conselheiros, em especial a herança de quem atuou por muito tempo como “chefe” e transfere para o grupo esse hábito de querer dar ordens e tentar decidir sem esperar que a ideia amadureça no grupo.
Além disso, destaco ainda os comportamentos “tóxicos”, termo tão bem cunhado pelo professor Luiz Carlos Cabrera. Alguns deles: arrogância intelectual, que vem daquele que sempre quer mostrar que sabe mais que os outros e sabe de todos os assuntos levantados; prolixidade; pensamento remissivo, daquele que sempre tem uma história longa para contar sobre seu passado longínquo (e que quando começa a falar todos os outros membros pegam seus celulares para aproveitar e checar mensagens!); presunção do conhecimento e a falta de atenção nas apresentações – este último é um típico comportamento tóxico que leva as pessoas a não ler o material com profundidade e não prestar atenção na discussão. Há de se mencionar também o cinismo da agenda oculta e o conselheiro bajulador, que está sempre querendo agradar o chairman ou algum membro que ele acha que tem poder.
O terceiro grupo de relações é o dos comitês versus conselhos. Aqui, um erro comum é que muitas vezes decisões profundamente discutidas nos comitês sejam levadas prontas ao CA, mas esquece-se que elas não foram previamente apresentadas aos conselheiros que não participam do comitê. Outro problema frequente nesse âmbito é que comitês com forte presença dos acionistas podem criar uma “esfera” de decisão paralela, assim como os comitês com forte presença de executivos podem trabalhar como uma câmara de demandas a serem levadas ao conselho.
As empresas familiares contam com questões ainda mais particulares, que envolvem a confusão dos papéis Família x Propriedade x Gestão e a dificuldade de isenção que tais modelos oferecem. No ambiente familiar, é importante destacar a possibilidade de ação reduzida dos conselheiros externos e independentes quando em minoria, dificuldade que se amplia ainda mais quando os conselheiros não conhecem o histórico dos relacionamentos da família.
As questões aqui levantadas são o dia a dia da gestão de um CA. Parte dessa gestão passa pela educação de seus membros para entender a dinâmica de um time de alta performance. Começa com o autoconhecimento de seus membros para que possam ser conscientes de sua atuação num colegiado. E passa também pelo ponto mais importante, e que deve ser o objetivo primordial do grupo: atuar única e exclusivamente em prol do desenvolvimento da empresa.
Fonte: Vicky Bloch – Valor Econômico. Acesso em: 24/06/2021.