As inundações recentes no Rio Grande do Sul devem sacramentar uma ameaça que já existia na atividade, dominada por pequenos produtores rurais: o Estado deverá perder o posto de maior produtor de mel do país. As chuvas das últimas semanas cobriram ou destruíram completamente muitas colmeias no Estado, que já vinha sofrendo com os reflexos das inundações de setembro do ano passado.
As enchentes de 2023 comprometeram a florada de primavera, o que agora limita a recuperação dos enxames que restaram. “Cerca de 10% da população de abelhas se perdeu nessa enxurrada, que destruiu algo entre 35 mil e 50 mil colmeias”, estima Patric Luderitz, vice-presidente da Federação Apícola e de Meliponicultura do Rio Grande do Sul (Fargs) e coordenador da Câmara Setorial de Apicultura e Meliponicultura do Estado. “A situação do setor é catastrófica”.
Os números são preliminares, mas a tendência é que subam, à medida que a apuração dos danos avança, alerta o dirigente. O valor da produção brasileira de mel é de cerca de R$ 1 bilhão.
Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o segmento, o Rio Grande do Sul produziu 9 mil toneladas de mel em 2022, o que correspondeu a 15% da produção nacional. Das pouco mais de 100 mil propriedades rurais que se dedicam à apicultura no país, 37 mil ficam no Estado.
Com a alta mortandade de abelhas e a destruição de colmeias, a apicultura do Rio Grande do Sul levará pelo menos dois anos para se recompor, acredita Luderitz. “Tudo vai depender do clima e dos recursos que teremos para injetar na atividade. Se tivermos R$ 300 mil, é uma coisa. Com R$ 3 milhões, é outra”, pontua.
Em Cachoeira do Sul, o apicultor Ede Nelson Beck calcula ter perdido pelo menos 500 das 1,7 mil colmeias que mantinha à beira do rio Jacuí. Cada uma delas tinha cerca de 30 quilos de mel.
Muitos produtores constroem seus apiários em áreas de várzea porque a biodiversidade costuma ser mais rica nesses espaços, o que melhora a produção. “A gente cria as abelhas nesses locais há anos e nunca tinha registrado perdas como as de agora”, disse o apicultor.
Com as cheias, ele prevê dificuldades para o segmento se restabelecer no município. Grande parte da atividade agropecuária de Cachoeira do Sul concentra-se nas áreas mais altas da cidade, o que limita a oferta de alimento para os insetos que ficam nas várzeas.
“A saída vai ser instalar os apiários nas áreas de coxilha, e isso vai diminuir a produção. Vamos perder essas florações [de várzea]. Essa é a nova realidade do município”, lamentou. “Dificilmente vai sobrar um canto para o apicultor explorar o mel”.
O presidente da Associação Gaúcha de Apicultores (AGA), Abenor Furtado, lembra que as inundações das últimas semanas agravaram os problemas que o segmento já vinha enfrentando desde as enchentes do ano passado. “A gente estava contando com a florada do outono, mas agora veio essa chuva”, lamentou.
Sem alimento suficiente, as abelhas do Rio Grande do Sul enfrentarão o inverno extremamente fragilizadas, o que pode elevar ainda mais as perdas no Estado. A esperança, diz Furtado, é que as próximas floradas, que começarão em agosto, ajudem na recuperação dos enxames.
Até lá, as abelhas precisarão ser alimentadas artificialmente — e a produção de mel do Estado será irrisória. “Já estamos considerando que não haverá produção neste ano”, afirmou ele.