Em 2020, a crise gerada pela covid-19 impôs desafios adicionais à economia mundial. Ela se refletiu em impactos negativos em toda a sociedade, incluindo as empresas, que têm enfrentado pressões por resultados financeiros não atingidos e queda de faturamento, principalmente. Neste contexto, uma das questões que mais levantou dúvidas a respeito da atuação ética de muitas corporações e órgãos governamentais foi a das compras emergenciais, por exemplo, motivadas pelo aumento brusco na demanda por insumos e produtos de saúde e de proteção individual. Indícios de sobrepreço em contratos, entre outras denúncias, ganharam espaço na cobertura do noticiário.
Tendo em vista este cenário, é fundamental neste 9 de dezembro – Dia Internacional contra a Corrupção – fazermos uma reflexão sobre quais atitudes queremos dentro de uma empresa, que tipo de resultados desejamos alcançar, e de que forma atingi-los. Não coincidentemente, o mote da campanha deste ano contra a corrupção do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) é Recover with Integrity (na tradução livre para o português: Recuperar-se com Integridade). As entidades estimam que, anualmente, US$ 1 trilhão seja pago em subornos e US$ 2,6 trilhões sejam desviados devido a atos de corrupção em todo o mundo.
É imprescindível que, mesmo em momentos de crise, as empresas sejam firmes e ajam com integridade. Passo fundamental nessa direção é estabelecer e manter um efetivo programa de compliance, mecanismo-chave para prevenir e mitigar atos de corrupção, danosos à imagem e à própria sustentabilidade empresarial, devido a suas consequências legais e de reputação. A Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção Empresarial, e seu decreto regulamentador, tornaram necessários e estabeleceram os parâmetros para os programas de integridade, visando a garantir o estabelecimento de uma cultura ética e o cumprimento das leis e regulamentos internos das empresas.
Os riscos para uma organização em momentos de crise, ao se avaliarem os altos níveis de exigências e pressão por desempenho e resultados que cercam todos os níveis hierárquicos, são maiores. Uma empresa com cultura de compliance arraigada e um programa bem estruturado leva em seu DNA os valores éticos e, consequentemente, está mais preparada para se adaptar melhor aos desafios trazidos durante uma crise como esta que estamos vivendo em função da pandemia.
Compliance é uma questão de atitude, especialmente em tempos difíceis. Em momentos como os atuais, é necessário que a alta liderança da empresa esteja formal e fortemente engajada nos preceitos do compliance corporativo. Fale, vivencie e influencie esta cultura e disciplina, oferecendo bons exemplos de atitudes corretas, as quais a empresa espera. Além disso, é essencial que os líderes comuniquem claramente qual a conduta e as decisões que eles esperam de suas equipes, sempre de acordo com os valores da empresa e as leis vigentes.
Além de uma comunicação clara e direta a partir da liderança, é importante que as empresas invistam em treinamentos constantes de compliance para seus colaboradores, sempre alinhados aos riscos aos quais determinada função está exposta.
Esses são essenciais para que as pessoas consigam reconhecer riscos, desenvolvam um olhar crítico nas diversas situações do trabalho e se sintam confortáveis para identificar um problema e levá-lo aos gestores, à área de compliance, à presidência da empresa ou até ao dono (dependendo do porte da companhia), seja por canais diretos de contato ou canais que lhes garantam anonimato.
Todos dentro da organização precisam conhecer o programa de compliance, quais atitudes são esperadas. Ademais, é necessário garantir a liberdade e segurança para abordar diretamente seu superior hierárquico ou para estabelecer um diálogo franco com o especialista em compliance na empresa, a fim de dirimir eventuais dúvidas sobre situações e identificar a melhor decisão.
Neste momento, em que muitos colaboradores estão trabalhando remotamente em razão do necessário isolamento social, o vínculo diário entre líderes e liderados eventualmente pode se perder. Por esta razão, é importante que os líderes reservem tempo durante suas reuniões para falar sobre compliance e estabelecer o diálogo e a confiança mútua em torno do tema. As ferramentas virtuais de comunicação nos possibilitam estabelecer contatos diretos, por exemplo, com o uso de uma chamada de vídeo para reuniões e treinamentos, o que cria uma conexão humana, mesmo no ambiente virtual.
A todo o instante, principalmente nos momentos de crise, as empresas enfrentam situações complexas. Mas, ao ancorar-se a uma cultura ética forte, a uma liderança engajada e participativa, a um código de conduta claro e um programa de compliance bem estruturado, é possível ter mais tranquilidade para se posicionar e seguir os caminhos corretos. É sempre preferível renunciar a um negócio a fazê-lo da forma incorreta.
Ainda que seja preciso atingir as metas, melhorar performance e buscar resultados para suavizar os impactos externos que a crise da covid-19 trouxe, é apenas por meio de atitudes íntegras e éticas que a sustentabilidade e continuidade da empresa será garantida, além de resultar no desenvolvimento de uma sociedade melhor para a todos. Celebremos juntos o Dia Internacional contra a Corrupção.
Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/compliance-pandemia-empresas-09122020
Autor: FLAVIO MACIAS RODRIGUES DA SILVA