A cultura do cancelamento nas redes sociais pode estar afugentando empresas a divulgarem o que estão fazendo nas diversas frentes das práticas ESG, sigla em inglês para se referir a questões ambientais, sociais e de governança corporativa. O medo de parecerem “mal na fita” diminui a transparência e dificulta comparações e estudos de benchmarks para avançarem na agenda. É o que comenta Ana Fontes, presidente e fundadora da Rede Mulher Empreendedora e do Instituto Rede Mulher Empreendedora, em evento organizado pela empresa de telecomunicações Vivo na semana passada (05) para discutir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) das Nações Unidas.
“Não é vergonha não ter ainda chegado na meta. O importante é medir”, disse. “Com os frequentes ataques nas redes sociais, algumas organizações têm medo de falar que não têm, ainda, uma estrutura com diversidade. Acredito que vergonha educativa não é o caminho, mas sim trabalhar na forma como as empresas podem e estão fazendo a mudança”, completa. Os painelistas concordaram com a afirmação.
Mas, apesar de a executiva se referir especificamente à diversidade, não é raro encontrar empresas que, mesmo tendo políticas e processos estruturados em outras frentes do ESG, como descarbonização dos produtos, atenção a direitos humanos, due diligence da cadeia de fornecedores e gestão eficiente de água na produção, não divulga as boas práticas para o grande público com receio de serem julgadas por não estarem ainda próximo das metas.
Por mais que haja riscos de interpretação como greenwashing ou socialwashing, termos usados para se referir a quem diz que é sustentável, mas a prática é diferente da teoria, criar um diálogo sincero com o público é importante para engajar e aprender, de acordo com a executiva. E para ganhar a confiança necessária para se comunicar de verdade com múltiplos stakeholders – e os consumidores em especial -, outra dica é se valer de ferramentas que mostrem o caminho e a evolução ao longo do tempo, assim como participar de grupos sérios de trocas de experiências para aprender como ir mais rápido.
Duas organizações que têm sido procuradas para ajudar as empresas em suas jornadas ESG são o Pacto Global da ONU no Brasil e o Sistema B. Camila Valverde, COO e diretora da Frente de Impacto do Pacto Global, conta que a organização tem desde o ano passado duas frentes de trabalho principais para acelerar as práticas necessárias para empresas atingirem os ODSs: os Movimentos da Ambição 2030 e a Trilha de Direitos Humanos.
A Trilha de Direitos Humanos ajuda a empresa a fazer um diagnóstico de sua situação e de seus fornecedores e traçar um plano de melhorias. Já no caso dos Movimentos, os líderes corporativos se comprometem em cumprir metas específicas em oito grandes temas, tais como gestão eficiente de água, economia circular, diversidade de raça, mulheres na liderança, operações zero carbono, transparência, saúde mental e salário digno. Hoje são 254 organizações signatárias de um total de 440 compromissos.
“É um compromisso público que se desdobra em uma jornada de indicadores que são monitorados periodicamente e oportunidades de conhecimento para acelerar a agenda e descobrir novos caminhos”, conta Valverde.
Na última edição do Relatório Luz, documento elaborado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o Brasil estava sendo insuficiente. Das 168 metas analisadas, o país deixou de avançar em mais de 80%. Do total, em 110 houve retrocesso e em 24 o país está insuficiente em 24. O retrocesso brasileiro afeta áreas como pobreza, segurança alimentar, saúde, educação, gênero, economia e meio ambiente.
“Os números são alarmantes. O Brasil está na 50ª posição entre os países que mais contribuem para os ODSs”, diz Valverde. Ela cita que, mesmo entre as empresas que estão engajadas nos movimentos do Pacto Global, há um longo caminho pela frente. Um exemplo é a saúde mental, tema relevante dado que o Brasil é o segundo de casos de burn out do mundo. “Mas, nove em cada dez empresas que fazem medição sobre saúde mental não fazem o cruzamento de dados com recorte de gênero e raça”, comenta.
Outro exemplo é de empresas signatárias do movimento de transparência, que entre as metas, dita que 100% da cadeia de valor de alto risco deve ser treinada em conceitos de integridade. Mas, de todas as que tem este tipo de fornecedor, 70% não conseguiu ainda atingir a meta. E só 29% têm uma estrutura e equipe dedicada à governança e compliance com organograma de reporte, nome de responsáveis, nível de reporte e senioridade públicos.
Para Rodrigo Santini, diretor executivo do Sistema B, não deveria importar a motivação das empresas, se querem avançar na agenda de sustentabilidade por pressões, por reputação ou porque realmente acreditam. “Nós temos que fugir dos arquétipos de heróis e vilões. Como começou a jornada da empresa, não me interessa e sim para onde ela está indo”, diz.
Ele conta que o Sistema B tem um questionário bem amplo e detalhado que qualquer companhia, inclusive as de pequeno e médio portes, podem acessar para identificar onde estão deixando a desejar e como melhorar. Também conseguem ver seu desempenho em relação aos 17 ODSs. As empresas podem escolher receber ainda consultoria para traçar seus planos de ações e monitorar avanços.
Aos poucos, conta Santini, as empresas vão utilizando os resultados do questionário para autoconhecimento. “Muitas empresas se surpreendem ao ver uma diferença salarial de 10 vezes entre o maior e o menor salário, algo que nunca haviam feito antes. O mesmo acontece quando veem sua pontuação ruim em saúde mental; é um processo terapêutico que as leva a pensar nesses processos”, exemplifica.
Profundidade versus Superficialidade
Valverde, do Pacto Global, lembra ainda que as empresas precisam sair da superfície dos temas de sustentabilidade e direitos humanos e se aprofundarem. “É preciso trabalhar além, com a empresa entendendo seu papel e sua responsabilidade na sociedade”, diz. Um exemplo que ela dá é o da filantropia, até pouco tempo muito relacionada com doação de quantias de recursos a ONGs. Ela elenca como um tema que pode ser mais abordado o de contratação de jovens aprendizes e incentivo a mulheres seguirem carreiras de tecnologia, ciência e matemática (STEM). Outro tópico ainda pouco explorado pelas empresas, em sua opinião, é o de vieses da Inteligência Artificial.
“Inteligência artificial é uma pauta do momento, mas um estudo da ONU Mulheres que avaliou 180 sistemas de AI contatou que 47% deles apresentaram preconceito de gênero. Se o futuro é inteligência artificial e quem constrói os algoritmos está sentado no Vale do Silício e são homens brancos, vamos ter sistemas que vão pautar já na origem o preconceito”, diz.
Ana Fontes também destaca que é necessário desconstruir crenças para conseguir repensar soluções. “Não existe empresa saudável em uma sociedade doente. Não é só sobre lucro; é sobre vivermos em uma sociedade mais justa e inclusiva”, pontua. Uma dessas crenças é a de que ter muitas mulheres empreendendo é positivo. Ela explica que a maioria empreende por necessidade, “são empurradas” , seja por falta de opção no mercado de trabalho ou por encontrarem ambientes corporativos hostis, com é o caso de muitas mães de filhos pequenos.
Ao entender isso, a presidente da Rede Mulher Empreendedora acredita que será possível, então, pensar soluções de acesso à capital a elas, assim como ajudá-las, como, se preparar para incluir melhor mães nas empresas, e promover letramento digital para empreendedoras aumentarem sua renda. Um exemplo de solução que partiu desse processo foi um trabalho feito pela organização na região amazônica a convite do Ministério Público. O desafio era auxiliar mulheres vítimas de escalpelamento de barco. Mesmo com limitações (o acesso à internet era ruim), tiveram a ideia de criar aulas de empreendedorismo em áudios de 5 minutos no WhatsApp, o que mudou a vida financeira de muitas das 45 atendidas.
“Diversidade é sobre justiça social, mas também inovação. Se uma companhia tiver 10 pessoas com pensamentos iguais, sempre fará a mesma coisa. O conflito é positivo, ajuda a pensar coisas novas”, diz. Além disso, ela pontua que as mulheres são 52% da população, assim como, no recorte racial as pessoas negras, que representam a maioria (56%). “Não faz sentido pra uma empresa não olhar pra mulher, negros e outros marcadores sociais. Sabemos o que fazer, temos os dados”, adiciona.
Santini, do Sistema B, também cutuca quem se vale do discurso de que não pode “baixar a régua” para contratar. “Se tem uma só régua, aí que está o problema”, diz. E defende o uso de cotas para acelerar a diversidade. “Cota é uma oportunidade para o gestor entender que tem outra forma de pensar. Dá a possibilidade da empresa olhar para outras visões. Se a empresa tem um só tipo de pessoa (homens brancos), já existe programa de cotas, só não é oficializado.”
Matriz de ODSs
Durante o evento, a Vivo apresentou sua nova análise de desempenho no materialidade sob a ótica dos OSDs, um tipo de metodologia ainda pouco usado por empresas. Renato Gasparetto, vice-presidente de Relações Institucionais e Sustentabilidade, conta que o trabalho em mensurar é incorporar ODSs entre os indicadores de impacto e sustentabilidade levou algum tempo.
“Sedimentamos o caminho para seguirmos os ODS desde o seu lançamento. Começamos pelo diagnóstico”, diz. Foram elencadas as prioridades, o que não estavam avançando, e ainda foi feito um plano para melhorar. Contou, para isso, com apoio de instituições como o Pacto Global da ONU.
“Não começamos na pandemia. Desde 2004 a Vivo divulga relatório de sustentabilidade pela metodologia GRI, fizemos nossa matriz de materialidade ouvindo stakeholders sobre como avançar, e tem sido uma agenda intensiva, incluindo metas de emissões de gases de efeito estufa que precisamos reduzir”, comenta.
Dentre os temas mais prioritários, o ODS número 9 – ” Indústria, Inovação e Infraestrutura” -, é o principal, dada a natureza de sua operação, ao oferecer infraestrutura de conexão digital e venda de aparelhos eletrônicos. “Estamos preocupados com a circularidade dos produtos, entender seu ciclo de vida. Temos programa de reciclagem de eletrônicos, o Vivo Recicle, e reutilizamos modens e decoders”, comenta Marsuri Romero, gerente de Sustentabilidade na Vivo.
Só em 2022, diz, foram 1,3 milhão de unidades recondicionadas. E o programa de reciclagem, desde sua criação, há mais de uma década, já recolheu mais de 5 milhões de itens, como celulares, carregadores, baterias, entre outros.
Romero reitera que há gaps ainda a serem trabalhados em conectividade, direitos humanos digitais, economia de baixo carbono e outros.
Fonte: VALOR ECONÔMICO