O pedido para operação de mais 7,5 mil satélites no Brasil apresentado pela Starlink, operadora do bilionário Elon Musk, pode sofrer novo atraso diante do aumento de tensão geopolítica causada pelo presidente americano, Donald Trump. O Valor apurou que a sensibilidade do caso ao contexto internacional pode levar o diretor Alexandre Freire, relator da solicitação na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a pedir até 120 dias para aprofundar a análise e concluir a diligência aberta nesse processo.
A solicitação para operação de mais satélites em território nacional, além dos 4.408 já autorizados em 2022, está pautada para a reunião do conselho diretor da Anatel marcada para esta quinta-feira (3). O processo seria submetido à deliberação em meados de fevereiro, mas retornou à pauta da diretoria do órgão regulador em momento ainda mais sensível, um dia após o anúncio pelos Estados Unidos da dura política de tarifas impostas aos produtos estrangeiros.
Sob a relatoria de Freire, a Anatel levantou questões que vão além dos aspectos técnicos da expansão das chamadas constelações de satélites em órbita terrestre baixa (LEO). A análise do conselheiro enveredou por aspectos de soberania nacional e segurança de dados dos usuários brasileiros que contrataram o serviço.
Histórico de Elon Musk
A estratégia da Anatel de aprofundar a análise do caso tem como pano de fundo as incertezas sobre o temperamento do dono da empresa. Musk reúne um histórico recente de ataques nas redes ao Supremo Tribunal Federal (STF), após reagir mal às ordens de bloqueio de perfis que disseminavam desinformação no X, plataforma que também pertence ao empresário. Essa avaliação ganhou novos contornos quando o bilionário assumiu cargo de destaque no governo de Trump.
O Valor apurou que, diante dos pedidos de pareceres com a nova abordagem, a área técnica da agência se debruçou, nos últimos meses, sobre requisitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e do Marco Civil da Internet que recaem sobre prestadoras do serviço de telecomunicações.
Com pouco mais de dois anos no mercado brasileiro, a Starlink assumiu a liderança do mercado de banda larga via satélite. Em janeiro deste ano, a companhia atingiu 335 mil clientes, o que corresponde a cerca de 60% de participação. Dentro da agência, o interesse de ampliar o número de equipamentos licenciados é porque a rede começa a dar sinais de esgotamento — no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo.
Entendimentos entre Brasil e Espanha
Sensível ao rápido crescimento do grupo no país, o governo brasileiro já tem buscado operadoras estrangeiras de satélite com acordos de cooperação firmados com outros países.
Esta foi uma das áreas abarcadas pelos protocolos de entendimentos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, no início do ano passado, envolvendo a Hispasat e a Telebras.
Acordos com China e Canadá
Em novembro, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, assinou acordos com a empresa chinesa SpaceSail, em evento preparatório à visita do presidente da China, Xi Jinping. A operadora chinesa também desenvolve projeto de satélites de órbita baixa.
No mês passado, Juscelino chefiou a delegação do governo brasileiro a Montreal, no Canadá, para se reunir com executivos da Telesat e da MDA Space — na pauta, o desenvolvimento da constelação de satélites de baixa órbita voltada ao atendimento corporativo. O memorando de entendimento assinado pelos governos canadense e brasileiro prevê cooperação técnica e transferência de tecnologia entre a Telebras, Visiona e Telesat.
Procurado por meio da assessoria da Anatel, o relator Alexandre Freire não respondeu. Já os representantes da Starlink não foram encontrados para comentar.