A inflação alta em diferentes mercados, entre eles o Brasil, vem sendo um dos desafios aos governos e empresas. Em janeiro deste ano, a BlackRock já anunciava, ao compartilhar 10 visões sobre a economia global, que a alta inflação no mundo não seria fato transitório e que, pelo contrário, demandaria ações em cooperação por parte dos principais agentes de governança.
Para Rodrigo Maia, presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), estamos em uma situação de mais risco do que há alguns anos, o que exige, cada vez mais, “informações de qualidade, proximidade entre players do mercado e clareza sobre os riscos”. Ao Blog IBGC, Rodrigo compartilhou algumas perspectivas para analisar o mercado de capitais brasileiro, comentou a alta inflação americana que nos últimos dias esteve entre os assuntos mais comentados e falou ainda sobre o papel do profissional que atua diretamente com investidores no país. Confira a seguir:
BLOG IBGC: O cenário econômico brasileiro é incerto para o investidor, hoje?
Rodrigo Maia: O Brasil é um país muito cíclico se olharmos sob uma perspectiva global. O que está acontecendo hoje é uma inflação global causada, no geral, pela falta de suprimentos. Estamos com uma dificuldade no mundo todo de transportar produtos. Essa dificuldade gera a inflação à medida que existem pessoas querendo produtos que não estão disponíveis, seja na gôndola dos supermercados ou no posto de combustível. Os Estados Unidos, por exemplo, estão vivendo uma situação de inflação parecida com o Brasil. Isso nunca se pensava. Para o investidor brasileiro o mais importante é ele ter informação com solidez e estar sempre informado sobre investimentos, mas também sobre as companhias e a economia. Um investidor atento conhece o mercado, mas não pensa só no lucro do dia seguinte. Então, é importante entender o ciclo, até mesmo para identificar oportunidades, pois estamos em uma situação de mais risco do que há alguns anos. Temos também um ano eleitoral, que sempre é um ano atípico em que vemos um estresse cambial. Conforme as pesquisas eleitorais vão aparecendo, esse estresse reflete na bolsa de valores. Mas quando o investidor tem informações de qualidade, proximidade entre players do mercado e clareza sobre os riscos, ele encontra até oportunidades neste momento.
Qual o papel do profissional de relações com investidores neste cenário?
Este é um momento em que a diretora ou diretor de relações com investidores (DRI) precisa estar próximo ao mercado. Não adianta se esconder nesses momentos. É um momento em que ele é mais acessado, por isso, tem que participar constantemente das conferências. Agora, já temos uma outra situação em relação à pandemia. Voltaram as conferências presenciais e este profissional tem que estar ativo e participante, além de ser atento a algo que muitas vezes se esquece: os riscos das companhias. O capítulo de riscos do formulário 20-F tem que ser olhado com muito cuidado, pois os riscos que as companhias têm precisam ficar claros, além de muito bem informados. O papel do DRI é fazer perguntas do tipo ‘como que uma recessão nos Estados Unidos afeta a minha companhia?’. ‘Como que uma recessão no Brasil afeta o meu setor, o meu país?’ Cabe a ele entrar para a reunião ciente dos riscos. Essa é a base inicial para momentos assim. Em seguida, o DRI tem que apontar para a estratégia. O investidor tem que estar ciente ao investir.
A quais principais riscos você se refere?
Um ponto muito importante é o risco de endividamento da companhia frente ao faturamento. Existem vários tipos de indicadores que mostram se a companhia está com a saúde financeira boa e que mostram a situação de caixa ou se há risco de inadimplência dos clientes. É necessário avaliar se a saúde financeira da companhia está pronta para um momento de maior turbulência. Depois disso, partir para uma etapa de mapear esses riscos e mapear estratégias. Isso faz com o que DRI se saia bem na reunião com o investidor em um momento como este.
E como tem sido o trabalho no IBRI para preparar os profissionais para esses desafios?
A frente que acho importante citar nesse sentido é a da influência digital. A gente está em uma nova era e vai ter assembleia com investidores no metaverso. Isso é um fato. Mas o que precisamos questionar é como podemos fazer isso com compliance, ética e diminuindo riscos. O papel do IBRI é dizer que o futuro chegou e perguntar como os órgãos reguladores vão ajudar o DRI e os investidores e a companhia. O trabalho em conjunto para o mercado de capitais evoluir é um caminho sem volta. Em encontro recente de relações com investidores e mercado de capitais, eu comentei que falamos muito sobre criptomoeda e já há um debate que elas acabaram. Mas não concordo. Sou muito em prol do mundo digital. E o investidor brasileiro, hoje, é um dos que mais gosta de investir em criptomoedas. Então, eu acho que a CVM pode ajudar, a B3 tem que ajudar. Não é porque é algo mais arriscado que eu não vou regular, pelo contrário. Temos que nos regular para poder ajudar o investidor. O segredo está em conhecer, educar e entender todos os riscos. Quando temos um cenário de inflação como estamos vivendo hoje, todos corremos risco. Por isso, temos que trabalhar juntos, seja com a CVM, B3, com IBGC.
Dentro do ambiente regulatório do mercado de capitais brasileiro o que você destacaria como um avanço?
O mercado de capitais brasileiro é muito avançado quando você olha globalmente. Eu credito isso à alta tecnologia que existe dentro dos bancos. O sistema financeiro é muito evoluído em alguns pontos, até mais evoluído do que nos Estados Unidos. Isso se dá, porque o Brasil viveu mais ciclos inflacionários historicamente. Temos relatos de executivos que trabalharam em outros mercados e dizem que uma tomada de decisão que nos Estados Unidos demora um mês, no Brasil, demora uma semana. O Brasil evoluiu muito. Tudo isso foi acompanhado gradualmente e cautelosamente por institutos e outras organizações. Mas temos que evoluir para um cenário de mais segurança para o investidor.
O que precisa melhorar?
Temos muito a fazer. Estamos no início e temos que trabalhar em conjunto e olhar para a Lei das SAs, Leis de Governança da Bolsa de Valores, o próprio Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, do IBGC. Tudo isso contribui para que se desenvolva ainda mais o mercado de capitais brasileiro. A nossa competição não é interna. A nossa competição é global. Se o investidor tirar dinheiro do Brasil, ele vai colocar em outro país, onde ele se sinta mais seguro para investir. Quanto mais o Brasil conseguir diminuir seu risco de investimento, mais ele vai atrair investidor estrangeiro.
Com este perfil de mercado, você considera que os profissionais de relações com investidores estão preparados para lidar com a velocidade de mudança quanto ao uso de tecnologias?
Como presidente do IBRI o que mais foco hoje é nisso. É preciso tecnologia para escalabilidade. Dados da B3 mostraram que nos últimos 10 anos a quantidade de investidores na bolsa multiplicou por 10 vezes. E a quantia investida reduziu cinco vezes. Então, o ticket médio que era 15 mil reais, passou para 3 mil e a quantidade de 500 mil passou para quase 5 milhões de investidores pessoa física. Há 10 anos, eu conseguia falar com os investidores pessoa física que nos ligavam. Hoje, não é possível. Até porque eles não querem falar com o DRI. Eles preferem nos ver no Instagram e no Tik Tok. O jovem quer ver isso. Outro dado é que grande parte deste público, na bolsa, é jovem. Os idosos que antes eram 25% deste público, hoje são 10%. E o público jovem que antes representava 33% agora passa a ser 50%. O profissional de RI tem que saber quem são esses jovens que estão muito mais ligados no Instagram da companhia do que no site dela. E se as empresas estão se perguntando como fazer RI para este público, a resposta está em inovação digital. Para isso, nossos profissionais tem que se preparar com data science, com apoio de inteligência artificial, com programação, porque assim eles estarão alinhados com o perfil dos novos investidores.
E diante deste cenário de mudanças velozes, como você vê o papel dos princípios de uma boa governança corporativa?
Para responder a essa pergunta vou citar o ofício das lives da CVM divulgado no início da pandemia. No material, havia uma instrução sobre como fazer lives. Na ocasião, a CVM deixou bem claro que não mudaria nenhuma regra, mas sim que deixaria à disposição recomendações sobre o uso do canal que estávamos falando, mas os princípios de como seguir com RI continuam os mesmos. Ou seja, entendo que o digital tem que ser digital com compliance. Os valores e princípios de governança precisam continuar sendo seguidos.
Fonte: Gabriele Alves. https://www.ibgc.org.br/blog/entrevista-rodrigo-maia-ibri-inflacao-investidores. Acesso em: 15/07/2022.