Uma caixa-postal nas ilhas caribenhas de Turks e Caicos está no centro de ao menos três processos relevantes em tramitação no Carf. Neles, a Receita Federal cobra uma multa por interposição fraudulenta contra a Cargill, com base em todo o montante exportado pela companhia em diversos anos fiscais. Nesta terça-feira (26/2), a 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção do órgão analisou o primeiro destes processos. O valor inicial, de R$ 9,288 bilhões, supera os R$ 10 bilhões em valores atualizados.
Estava em discussão a multa de conversão do perdimento da mercadoria, uma vez que o bem já havia sido exportado e não poderia ser apreendido. Isso porque, na teoria, a Cargill brasileira vendia toda a sua produção para a Cargill TC, localizada na ilha caribenha, antes de revender o produto para os compradores mundo afora. Na prática, porém, os produtos já saíam do Brasil com destino aos compradores, sem que os grãos passassem pela caixa postal no paraíso fiscal.
O advogado da contribuinte, Giancarlo Chamma Matarazzo, chamou a autuação de absurda, defendendo que a Delegacia Especial Da Receita Federal do Brasil de Maiores Contribuintes (Demac), que efetuou a investigação, não teria experiência na área aduaneira.
A empresa afirmou que desde o início da investigação apresentou toda a documentação pedida pelo fisco, e que não seria possível afirmar que houve a ocultação fraudulenta alegada, nem dolo ou dano ao erário. “Como pode haver ocultação se eu dei a informação? Ocultar exige dolo”, pontuou o tributarista, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
A filial, segundo o advogado, é responsável pelo gerenciamento da negociação futura de grãos: o que a empresa venderia não seria a soja ou o farelo por si, mas sim os contratos futuros deles, negociados em bolsas como a de Chicago. “A filial é importante porque gera lastro”, argumentou Giancarlo. “Quando se faz todas as compras e vendas, aquilo funciona como um pulmão. Ali está sendo vendido a safra de 2022”.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) argumentou que o caso não envolve sonegação tributária, mas sim proteção das fronteiras do país, sendo o erro da Cargill não ter indicado quem era o comprador da mercadoria.
Para Fabrício Sarmanho de Albuquerque, procurador que atuou no caso, o simples fato de a Cargill simular uma venda e negociar futuramente a commodity representa uma vantagem comercial, não necessariamente tributária. “O prejuízo já existe, e ele é irreparável”, afirmou. Fabrício ainda disse que a Receita Federal angariou provas suficientes para demonstrar que a Cargill TC seria apenas uma laranja da matriz brasileira. Foram apresentados como elementos a falta de funcionários e o fato de a companhia ser apenas uma caixa-postal – que mesmo assim era responsável por US$ 2,5 bilhões em reservas.
O relator do caso, conselheiro Pedro Rinaldi de Oliveira Lima, não analisou as preliminares de nulidade levantadas pela Cargill, passando diretamente ao mérito do caso. O julgador ponderou que o Fisco não levou em consideração questões mercadológicas, de bolsa e de mercado futuro, e que não havia base legal para desqualificar as operações feitas pela contribuinte. Com isso, votou por cancelar o auto. “Trata-se unicamente de adiantamento que o contribuinte faz na exportação, dentro de sua própria empresa, filial e matriz, como uma única personalidade jurídica”, afirmou em seu voto.
Primeiro a votar, o conselheiro Marcelo Giovanni Vieira pediu vista do caso, que deverá ser concluído entre os dias 26, 27 e 28 de março. Procurada pela reportagem, a Cargill informou que cumpre as leis dos países onde opera, garantindo que são pagos todos os tributos relacionados às suas atividades. A empresa também afirmou estar confiante de que sua posição “será mantida por seus méritos”.
Série de autos contra a Cargill
O caso já era comentado, nos corredores do Carf, como um de maior impacto financeiro a ser apreciado pelo conselho em 2019. A própria Delegacia Especial Da Receita Federal do Brasil de Maiores Contribuintes (Demac), com sede em São Paulo, enviou um representante a Brasília para acompanhar o julgamento no Carf.
Segundo a PGFN, a Receita Federal autuou a multinacional do setor de grãos por cada ano em que houve o planejamento considerado fraudulento. O valor das multas, somadas, chega a R$ 40 bilhões, o que eleva esse a um dos temas de maior importância financeira dentro do Carf.
Ao menos dois outros casos, relativos a outros anos calendários, estão aguardando análise e entrada em pauta no tribunal administrativo. Segundo pessoas com conhecimento dos processos, a própria Demac teria interrompido as autuações sobre a Cargill, o que freou o volume em disputa nos tribunais da Receita.
Processo citado na matéria
16561.720129/2017-79
Cargill Agrícola SA x Fazenda Nacional
Fonte: Jota. Acesso em: 01/03/2019.