A B3 conseguiu afastar uma cobrança de R$ 3,2 bilhões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em julgamento ocorrido na última quarta-feira (16/10). Trata-se de mais uma autuação fiscal relativa à fusão da BM&F e da Bovespa, ocorrida em 2008.
Esse não é o primeiro processo do tipo a chegar no Carf. Outros casos semelhantes foram julgados pelo tribunal administrativo, e os entendimentos têm sido diversos, tanto a favor da B3 quanto a favor da Fazenda. Apesar de serem similares, os processos envolvem a dedução de ágio feita em períodos diferentes pela B3. No julgamento de quarta-feira foram analisados os períodos de 2012 e 2013.
A disputa tributária travada entre Receita Federal e B3 no tribunal administrativo se refere ao aproveitamento fiscal de ágio gerado na fusão que originou a BM&FBovespa em 2008. A Receita cobrou o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por entender como indevido o aproveitamento do ágio. A empresa havia amortizado os valores da base de cálculo dos tributos, reduzindo o montante devido aos cofres públicos.
A discussão neste caso centrou-se no laudo utilizado pela contribuinte para justificar o valor do ágio. Na época da operação, a BM&F e a Bovespa encomendaram laudos técnicos para estabelecer qual seria a rentabilidade futura da fusão. Isso porque a legislação fiscal só permite que os contribuintes deduzam o ágio do IRPJ e da CSLL se comprovarem os motivos para os valores das operações.
Os laudos técnicos obtidos à época da fusão atribuíram à operação um valor entre R$ 20,7 bilhões e R$ 22,3 bilhões. Entretanto, a compra foi negociada a R$ 17,9 bilhões, avaliação baseada no valor de mercado dos ativos. Ao final, foi apurado um ágio de R$ 13 bilhões.
Conservadora
Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) há discrepância de valores entre o que atesta o laudo e o valor da operação. Assim, o critério do valor de mercado não poderia ser usado no cálculo do benefício fiscal. “Ágio não é um fim em si mesmo, ele decorre de um preço que é pago. Por isso é importante saber o que levou a ser R$ 17 bilhões.”, afirmou o procurador Marco Aurélio Zortea, da PGFN, durante a sustentação oral.
A defesa posicionou-se pela validade do laudo e defendeu que a empresa foi cautelosa durante o processo de fusão. Na sustentação oral, o advogado da companhia, Roberto Quiroga, do Mattos Filho Advogados, salientou que a Nova Bolsa foi “extremamente conservadora”, já que muitas companhias fazem laudos somente após a incorporação.
“O que a Bolsa fez? Quando ela foi adquirir, ela foi na Delloite [responsável pelo laudo] e falou: ‘me fale quanto vale a Bolsa por fluxo de caixa descontado’. A Delloite disse que valia entre R$ 22 bi e R$ 20 bi. Um mês depois, negociou e fez a operação por R$ 17 bi. Contabilizou um ágio de R$ 16 bi”, argumentou. “Quando ela incorporou e começou a operar, observou o seguinte: esse ágio não é de R$ 16 bi, tirou intangível e mais-valia e chegou nos R$ 13 bi. A Receita entendeu que esse laudo não comportaria o fundamento de validade dos R$ 13 bi, ela deveria ter apresentado um laudo de R$ 13 bi”, complementou.
Parâmetro
Para o relator do caso, conselheiro Allan Marcel Warmar Teixeira, o laudo apresentado pode ser usado como parâmetro. Para ele, não cabe à fiscalização questionar o fundamento econômico utilizado. O laudo só poderia ser questionado se fosse fruto de simulação. O raciocínio do relator foi acompanhado por seis julgadores.
“Nesse caso, a rentabilidade futura não pode ser questionada. Não tem como questionar a rentabilidade futura sem estar questionando a lisura da operação. E questionar a lisura da operação requer uma acusação específica de simulação”, defendeu.
Apenas o conselheiro Lizandro Rodrigues de Sousa divergiu. Durante a votação, ele chegou a questionar o relator. “O fundamento econômico do ágio não cabe ser questionado pela fiscalização? É uma diminuição da tributação”, manifestou-se.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional afirmou que vai recorrer da decisão à Câmara Superior, instância máxima do Carf. O colegiado superior, em outros processos envolvendo a mesma operação, proferiu decisões contrárias à B3.
“Com certeza vamos recorrer à Câmara Superior. Temos dois processos a nosso favor na Câmara Superior e outro de uma turma baixa”, disse Marco Aurélio Zortea.
Câmara Superior
Na Câmara Superior a B3 não tem obtido vitórias. No último dia 11 de setembro o colegiado entendeu pela impossibilidade de dedução do ágio. A decisão ocorreu pelo voto de qualidade – por meio do qual o presidente da sessão fica responsável pelo desempate. Para os conselheiros, o laudo apresentado pela empresa para justificar o preço da operação não seria válido.
A decisão, no entanto, ainda pode sofrer alterações. Isso porque os conselheiros determinaram o retorno do caso a uma câmara baixa do tribunal, para julgamento de pontos não analisados anteriormente. Entre os pontos estão, por exemplo, a nulidade do termo de autuação do fisco.
Em abril de 2017, a B3 também saiu derrotada. O posicionamento vencedor, de que a amortização de ágio foi irregular, foi sustentada com argumentos distintos pelos julgadores. A decisão também se deu por voto de qualidade.
Fonte: JOTA. Acesso em: 17/10/2019.